Num artigo recente que escreveste para o Público, afirmas que o pacote de medidas anunciado pelo Governo para a cultura, no contexto da Covid-19, é muito positivo, mas não chega. O que pode ser feito a curto prazo para ajudar, a um nível mais micro, cada artista?
Vivemos uma das mais complexas e desafiadoras crises que alguma vez enfrentámos. No que à Cultura diz respeito, ela atingiu a coluna vertebral da sua sustentabilidade económica: o público. Os resultados para a Cultura são já devastadores: adiamento e cancelamento de exposições e de espectáculos, cessação de contratos, desemprego, imensuráveis perdas financeiras. Genericamente, defendo a implementação de medidas urgentes que assegurem empregos e um mínimo de garantias imediatas e isso tem de ser assegurado pelo Estado, quer legislando, quer apoiando financeiramente, injectando mais verbas no sistema. O que tem sido anunciado é positivo. Mas não chega.
Mas também defendo aproveitar este momento para proceder a uma alteração mais profunda do “sistema” e atuar estratégica e estruturalmente, repensando modelos de financiamento, nomeadamente o regime do mecenato cultural, mas também de proteção social.
Uma das propostas que apresento, e que procura ter um carácter simbólico, ilustrativo dessa nova forma de atuar, é a criação de um Fundo Especial de Investimento Cultural, envolvendo múltiplos setores da sociedade portuguesa, incluindo o Estado, entidades privadas, nomeadamente as principais fundações, entidades que atuam no sector cultural, bem como empresas de média e grande dimensão, nomeadamente na área das telecomunicações e media, que assumem já uma significativa responsabilidade nos domínios artístico e cultural. Neste momento só em conjunto conseguiremos ultrapassar esta crise. Mesmo.
Esta situação excecional também potenciou a transformação digital de alguns mercados culturais. Achas que não vai passar de uma medida de emergência ou é verdadeiramente uma oportunidade para os agentes culturais abraçarem o potencial da tecnologia aplicada à cultura?
O perfil do consumidor cultural tem vindo a mudar nos últimos anos. Os meus filhos de 20 e 17 anos cresceram com o Google, o Facebook, o Twitter, o What’sApp, o Instagram. Habituaram-se a fazer visitas aos museus com Apps, a comprar bilhetes de cinema ou concertos on line, a irem acampar para festivais de musica que duram dias.
Com esta pandemia, acredito que esse perfil vá mudar ainda mais. A migração dos concertos de música, do cinema e até do teatro para o streaming vai intensificar-se. As grandes empresas produtoras de cinema já estão a rever os seus modelos de negócio de modo a aproveitarem ainda mais a Internet. E é muito provável que os próximos lançamentos de cinema sejam directamente nas plataformas e não nas salas.
Qualquer crise, ainda mais uma gigantesca e indomável como a que vivemos, exige reflexão, parar para pensar e logo de seguida capacidade de reacção, mudança, melhoria. Aproveitar a oportunidade e reagir. Estou absolutamente convencido de que esta crise vai obrigar mesmo a mudar muita coisa.
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